Histórias, algumas reais

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Obrigado Senhor!


Sou um velho a quem, não os anos, mas sim a doença, tirou o prazer de correr.

Mas agradeço Senhor, por nesta minha vida me teres dado o dom de me saber reconhecer e encontrar quando me foi possível correr.

A minha vida foi sempre uma nulidade. Tinha a mulher e os filhos. Ganhava para eles, mas era efectivamente um pai e marido ausente. Abafado pela autoridade feminina da casa, isolei-me no meu trabalho, na Columbofilia , e também um pouco no álcool, confesso.

Os filhos cresceram, e eu estive sempre um pouco aparte.

Reformo-me, e com a minha filha, parece que agora, eu velho, ela mulher, nos encontramos, e dou, agora eu, os meus primeiros passos, na corrida. No pós-reforma, a corrida tornou-se então a minha vida! E fui feliz Senhor, nesses breves anos em que tive a dádiva de poder correr, e ouvir o bater do meu coração e os meus passos no chão, e encharcado em suor alcançar mais uma meta em cada prova em que participava!

E senti-me vivo, Senhor! Ah, Senhor, como fui feliz nessa breve passagem da minha vida (pouco mais de dois anos). Sentir o ar na cara e a minha alma elevar-se como nunca se elevara na vida! Tentar, arriscar, ousar, eram palavras que eu nunca usava e que com a corrida, foram todas postas em prática e superadas! Tanto que a corrida me deu!

Depois de me mostrares essa luz na vida, voltas a apagá-la, Senhor! Com esta doença é-me vedada a corrida e só me é permitido pouco mais do que caminhar lentamente.

Agora, vou ver a minha filha correr, e trémulo, seguro a mão da minha netinha e tomo conta dela para a mãe poder correr! Afinal, ainda sou útil. E alegro-me com as suas conquistas e assim vivo ainda um pouco a corrida, mas dentro de mim há um imensa tristeza apenas compreensível para quem ama a corrida. Todos os outros me chamam de louco, velho tonto!

Mas Senhor, quando por fim descansar no meu caixão, estarei feliz, porque vou olhar para trás e ver que nesta vida me foi dada a alegria de poder correr. Como aquelas coisas em que nem que fosse apenas uma vez na vida, tinha valido a pena! E valeu a pena! Obrigado Senhor.