Histórias, algumas reais

quarta-feira, 5 de março de 2008

Trilhos de Mogadouro - Amendoeiras em Flor - 26.02.2005


Trilhos do Mogadouro - Fevereiro 2005


No Mundo Fantástico da Montanha, fui ao céu e caí. Mas que importa? Vivi e sobrevivi.


Repetia tudo outra vez com um enorme sorriso e um prazer ímpar que só na montanha alcançamos.


Trilhos do Mogadouro. Uma prova de montanha, na distância aproximada de 14 Km.
Depois de quatrocentos e muitos quilómetros de carro, chegamos ao Mogadouro a pouco mais de hora e meia para a partida da prova em Valverde.


Partida dada e depressa me isolo. Primeiro na cauda do pelotão, depois na cauda da cauda. O piso é excelente, caminhos de terra batida com poucas pedras. Os ares são óptimos e a meio da prova somos presenteados com uma significativa queda de neve sob um céu cinzento escuro divinamente iluminado por um sol que teimou em ficar até ao final da prova.


Sem pressa, pude parar para ver aqueles montes salpicados de neve, assim como eu própria.


Olhar o céu como se estivesse deitada no chão e receber no rosto todo aquela frescura em forma de floquinhos de neve. Nas subidas tive tempo para respirar fundo, pisar neve intocada , tirar as luvas e tocá-la com as mãos. Ai se não estivesse ali sozinha e ainda fazia uma batalha com bolas de neve. Já que nada perdia para além de tempo, e esse era todo meu, aproveitei o que pude. No entanto no meio de tanta beleza, há uma ideia mais negra que o céu que me assalta constantemente: "Não consigo, não vou conseguir, porque me meti nisto?"


Desistir? Como? Tinha sempre de ir ter ao Mogadouro, onde com alguma sorte ainda teria a meta instalada e alguém à minha espera. Ali ninguém me viria buscar, e nos abastecimentos achei que estava bem para continuar. E lá fui, andando, correndo, parando. Inspiro e absorvo o que me rodeia: o ar, o sol, a neve, o céu, a montanha!


Penso que já não está ninguém atrás de mim até que sou apanhada por um atleta de alguma idade e que me diz que ainda há outro atrás de nós.


O tal atleta e eu acabamos por seguir juntos, entre ajudando-nos mas sendo eu mais ajudada que ele. Agradeço aqui publicamente ao Sr. Manuel Fonseca Santos que me incentivou e muito para caminharmos na última subida já para a vila de Mogadouro para depois em terreno plano "cortarmos a meta a correr" – palavras suas que foram sem dúvida alguma fundamentais para que eu viesse a cortar a meta pois por minha vontade, chegada ao Mogadouro ia mas era para o quarto, onde ninguém me visse, pois a minha prestação foi vergonhosa e humilhante: 1h56m em contraste com o já não muito famoso tempo do ano passado: 1h24m!


Cortar a meta deu-me ânimo, pois ainda havia lá gente, a sorrir para mim (não a rir de mim), para além da minha amiga que quase gelou à espera que eu chegasse para me tirar uma fotografia enquanto pensava seriamente que eu tinha sido engolida pela montanha, e toda a organização simpática e atenciosa, e ainda algum público.


Para além disto tudo, o facto de cortar a meta ainda me valeu um prémio monetário! Só porque as mulheres que correm se contam pelos dedos. Literalmente! Ou seja, havia prémios monetários para as primeiras cinco de cada escalão, e veteranas eram precisamente cinco, e obviamente, eu fui quinta! E por isso ganhei 10 euros na prova onde tive a minha pior prestação de sempre! Alguma coisa está mal. Talvez o que esteja mal é as mulheres não correrem, talvez não pelo facto de não quererem, mas pelo facto de não poderem. Talvez…


Se valeu a pena? Claro que valeu! Para o ano lá estarei de novo, mas de preferência com um mínimo de capacidade para correr na montanha.


Ana Pereira
Fevereiro 2005