Histórias, algumas reais

quinta-feira, 5 de março de 2009

A Conquista do King

Ana acabou de se divorciar. E na busca incessante da felicidade saiu da sua casa palacial, e foi viver para um sotão alugado. Leva consigo a sua riqueza: a sua filha Inês, sem a qual não lhe seria possível viver.

Aquando da primeira visita ao sotão que veio a alugar, foi recebida agressivamente por dois cães sem raça que viviam naquele quintal, por onde elas teriam de passar para aceder à casa. Eram o Roby e o King.

O Roby tinha um focinho doce, pêlo castanho dourado, luzidio, e acabou por se revelar um vulgar cachorro brincalhão. O King era feio. Rafeiro autêntico, vira-latas, preto, mas já com muitos pêlos brancos da idade, uma orelha caída, partida pelos maus tratos da vida. Pêlo áspero, apesar dos banhos a que era sujeito periodicamente pelos donos cuidadosos. O King não inspirava qualquer simpatia. Era feio, agressivo e antipático.

Aos poucos, Ana foi perdendo o medo. Começou por lhes dar bolachas para que os cães gostassem dela. E resultou. Em pouco tempo, já conseguia entrar e sair de casa sem grandes complicações.

Um dia, vem o Scooby viver com eles (um Terrier agitado e desafiador). O Roby não se importou, mas o King sentindo o seu terreno ameaçado, não gostou nada! Assim como a pequena Inês, que via naquele monte de pêlos em movimento uma ameaça constante.
O Scooby saltitava, não parava, atirava-se às pessoas, punha-lhes as patas em cima exigindo atenção.

Um dia pôs-se de pé em cima da Inês, o que significa patas no pescoço e focinho na cara da miúda, que arranhada e assustada desatou a chorar. Ana gritou com o Scooby, que cobardemente fugiu, e não é que o King desatou a rosnar para o Scooby e daí para a frente nunca mais permitiu que ele se aproximasse sequer da Inês!? Com isto, a pequena Inês, e a Ana começaram a gostar do King, e davam-lhe festinhas e bolachinhas.

Mas o mais impressionante foi o primeiro dia em que o pai da Inês a foi buscar para passar o fim de semana com ela. Sendo a primeira vez, a Ana levou a filha ao portão, e ficou a vê-la entrar no carro do pai, disse-lhe adeus, com uma nostalgia só explicável a quem já passou pelo mesmo, e agarrada às grades do portão, vendo a mãozinha a filha a acenar-lhe e a afastar-se, vêem-lhe as lágrimas aos olhos, e é então que sente um corpo quente e forte encostar-se a si. Era o King! De pé, com as patas nas grades, completamente encostado à Ana, olhando a menina que ia embora, partilhando em perfeita sintonia os sentimentos dela, se vira e lhe dá uma lambidela, acariciando-a com os seus olhos castanhos, com a ternura infinita que só é possível encontar no olhar de um cão! Acho mesmo que o King também chorou naquele momento.

E a partir daí, definitivamente, o King conquistou o coração da Ana e também da Inês, ensinando-lhes que, à semelhança de tantas coisas na vida, aquele cão de mau aspecto não era afinal o que parecia! O King revelou-se um verdadeiro amigo, e hoje é-lhe tão difícil separar-se delas como dos próprios donos!

2002

Sem comentários: