Histórias, algumas reais

sábado, 10 de março de 2007

O Rapaz do Anúncio

Mariana estava sentada ao sol na praia. Olhava o mar distante, com os seus olhos castanhos e tristes. O Sol não tardaria a pôr-se e ela estava com a sua amiga Carolina que esperava uns amigos desde a manhã.

Apesar do dia estar no fim, Carolina, com a teimosia da adolescência estava segura que eles viriam, por isso não arredava pé da praia.

Para Mariana que nem os conhecia, precocemente desiludida pela vida, incrédula diante do Amor, era-lhe completamente indiferente se eles viessem ou não.

Olhava o mar salgado como os seus olhos e sentia o prazer do sol morninho no seu corpo de menina apesar de ter quase 30 anos. Corpo bronzeado na sua tanga preta, Mariana era uma linda mulher, olhando o mar, tristemente como se o mar lhe pudesse dar algum alívio para a sua dor de viver.

Um dos poucos prazeres da vida era correr. Quando corria, Mariana sentia-se livre, em comunhão consigo mesma e com a Natureza. Mariana era feliz quando corria! Era ela própria, sem artifícios, sem ter de agradar a ninguém, sem fingir.

A corrida dáva-lhe vida e força, e ajudava-a a manter-se viva. Mas a falta de companhia e a solidão por vezes faziam com que desistisse, se isolasse ainda mais, e deixasse de correr.

"Eles aí estão!"- exclamou eufórica Carolina na alegria dos seus 16 anos.

Mariana vira-se e... é surpreendida pela beleza de um dos rapazes.

Alto, corpo esbelto, musculado e bronzeado, cabelo encaracolado preto, olhos castanhos meigos e profundos, e uns lábios grossos, que Mariana desejou de imediato beijar. Ela nunca tinha sentido nada parecido por alguém, assim, no primeiro instante!

O Tomás era de facto um rapaz de capa de revista, corpo de modelo, peito e abdominais esculturais, jovem, estouvado, lindo de morrer!

Mariana desejou-o para si. Tantos maus passos dados no seu passado, relacionamentos cujo único fruto foi a dor e a desilusão, sempre com homens mais velhos, em que ela procurava o Amor e a protecção de um pai que não teve.

E agora apresentava-se-lhe assim a Juventude em pessoa! Tomás só tinha 20 anos, e Mariana quis agarrar essa juventude que ela nunca tinha tido oportunidade de viver.

Apaixonaram-se e viveram loucamente meses de alegria e fantasia. Mariana estava a viver a sua própria juventude, embora tardiamente.

Viveu então intensamente, dançou até ser manhã, viu o sol nascer sentada no telhado de uma casa velha, deitou-se no chão numa estação de comboios qualquer a altas horas da noite, e abraçada ao seu Tomás, pediu desejos irrealizáveis às estrelas, e mesmo assim acreditou neles, alheios às poucas pessoas que passavam. Fez amor em locais públicos. Dentro de carros estacionados no meio da cidade, sempre arriscando, como se o risco tornasse tudo mais louco, mais alucinante e mais intenso! Foram meses loucos!

Como o Tomás não era em nada adepto da corrida, Mariana quase se esqueceu da sua vontade de correr nesse período.

Mas com a sua maturidade sabia que aquela viagem alucinante não podia durar para sempre, às vezes falava de coisas sérias, duras, que a vida também tem, e que são afinal o dia-a-dia de todas as pessoas.

Mariana sonhava em assentar com aquele rapaz, e quem sabe, até casar e ter filhos. Mas o Tomás recusava-se a ouvir. Ele queria que a sua vida fosse como um anúncio televisivo a um refrigerante qualquer: pessoas jovens, belas, enérgicas, vivas, intensas, loucas, felizes, sempre! E a sua vida era mesmo isso!

A partir desse dia, o Tomás ficou conhecido como o "rapaz do anúncio".

Mariana começou a fartar-se daquela vida. Tinha outras pretensões. Começou a pensar nela, na sua vontade, no que ela queria da vida. E acabaram tudo!

Num momento de saudade, ele telefona-lhe e pergunta se ela queria correr com ele, na praia, ele nunca se tinha interessado pela corrida, ou pelos interesses dela! Mariana responde-lhe que sim, queria correr com ele, mas queria correr com ele da vida dela para fora!!!

Poucas mais vezes se viram. Ainda se falaram durante uns tempos. Hoje, Mariana está casada, é mãe de um lindo menino, e pratica atletismo, assim como o seu marido.O Tomás não chegou a casar. Tem uma filha que está com a mãe, faz parte de um grupo de "strip-tease" e anda a ganhar dinheiro aí pelas discotecas.

Ana Pereira
2001

2 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Li esta tua história na primeira vez que vim ao teu blogue e até pensava que tinha comentado.
gostei muito, tu sabes contar...
Bom fim-de-semana.
Beijos

PS: a foto é tua?

Maria Sem Frio Nem Casa disse...

A foto é de autoria de uma menina de 4 anos, e a mulher é a Mariana, que continua por aí, a sonhar, a correr e a escrever.